sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Cinco ésses (final)


em 2010
dancei rock e bolero
forró, lambada, valsa
tango e samba-cançao

em 2010
chupei laranja e limão
dei um passo pra frente
dei dez pulos para trás
disse dez sims e um não

em 2010
caminhei na corda bamba
sem vara de equilíbrio
e sem rede de proteção

em 2010
segurei o sonho na mão
voei de olhos fechados
guiado só pelos ventos
e pelo radar do coração

para 2011
já acelero os meus motores
já canto pneus na largada
também preparo um refrão

para 2011
para que possamos correr atrás
dos prejuizos e das felicidades
dos pratos de comida e da paz
desejo a todos saúde de montão.

akira – 31/12/2010.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cinco ésses (2)

bebo demais
não consigo parar de beber
acho que vou morrer
de tanto beber

bebo desde sempre
desde os catorze anos
bebo, bebo e depois vomito
depois volto a beber
não sou um bom exemplo
afaste as crianças

bebo no pernambuco
na nininha e no osvaldinho
no vavá, no andré, no rubão
e no baixinho também
ressaca eu sempre curo
com outra dose

bebo em casa e no futebol
de manhã, de tarde
de noite e de madrugada
bebo sozinho se não tiver companhia
só no serviço eu me seguro

bebo conhaque, uísque e vódca
vermute, cerveja, vinho e etecétera
mas o meu forte é a cachaça
são francisco, cincoenta e um
ipióca ou serra grande
tanto faz como fez
não consigo diminuir
o galope acelerado do cavalo
da minha aflição sem cura

bebo pra caralho
indistintamente
infinitamente
eternamente
as minhas assombrações
não adormecem nunca.

akira - 30/12/2010.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O jardim de Hideko (6)

hideko, amanhã a morte virá ao seu jardim, tocará flores e folhagens, e especialmente, as pedras consumidas pelo silencio das nossas tristezas incineradas;

e então ficaremos juntos à sua espera, com mãos inertes e braços pendentes de submissão aos caramujos condenados a subir com suas ventosas de cola deslizante, pelas nossas pernas, costas e faces nuas, para alimentar-se do adubo e da caspa dos nossos cabelos;

hideko, amanhã o sol virá ao seu jardim, escorregará com generosa luminosidade pelas palavras abertas e pelos calos, juntas e cicatrizes das plantas podadas centenas de vezes pelos bisturis do tempo;

e então ficaremos juntos à sua espera, com nossas mãos molhadas de igrejas e desapegos, perfumes indecifrados e sabedorias de mantras e portais milenares.

akira – 29/12/2010.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Cinco ésses


japa fora do esquadro
gordo, hiper-tenso e estressado
alcóolatra como se não bastasse
deve ser difícil
continuar a me amar

marido nota cinco
filho e pai cinco e meio
imagino o sacrifício
os “das tripas, coração”
pra não deixar de me amar

imagino o tanto de vezes
que a sua cabeça aconselhou
ao coração que o melhor mesmo
seria nunca mais me amar

imagino o montão de vezes
que o seu coração quis desistir
mas não o fez  porque sabia
que assim iria me matar.

akira – 27/12/2010.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Menos, meu bróder


menos, meu bróder
menos e põe menos nisso
minha poesia nem chega a ser poesia
pré-poesia, com algum exagero
e sem falsa modéstia

minha poesia vai somente
até aquele ponto indefinido
onde a palavra virará poesia
e recusa-se a seguir adiante

minha poesia habita
cheiros, cores e corações
do rés do chão das ruas
e dificilmente chega às ante-salas
ela sai da boca do homem comum
e peço a deus que volte
aos ouvidos do homem comum

minha poesia habita
pontes obscuras sobre abismos
degraus de escadas desusadas
purgatórios de poesias.

akira – 25/12/2010.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Meus poetas preferidos (15)

Nilson Galvão
Pense num poeta muito bom, mas muito bom mesmo, desses que voce não consegue não gostar e deixa na cabeceira da cama, ao alcance das mãos.
Pense num poeta tão bom quantos os melhores que voce conhece, tipo Edvaldo, Cláudio Gomes, Sacha ou Gilberto Braz, só para ficar em alguns exemplos.
Pensou? Fica esperto, então, porque vou te apresentar mais um e considere a dica uma cortesia da casa, um presente de Natal.
Seu nome é Nilson Galvão e não vou ficar aqui enchendo lingüiça sobre o seu trabalho, mesmo porque não é minha praia, e simplesmente postarei alguns dos seus poemas a seguir. Voce que tire as suas conclusões.
Mas voce vai gostar, ah, disso tenho certeza, e vai querer mais. Acesse, então, o seu Blog, o BLAG, o http://nilsonpedro.wordpress.com, estrela luminosa que se destaca na blogosfera poética, e aproveite para encomendar o Caixa Preta, seu livro de estréia lançado recentemente. Garanto qualidade e procedencia, o preço é super-acessível e tem mais, devolvo o dinheiro do meu bolso se voce não gostar da poesia do Nilson.
Akira – 24/12/2010.





Ciranda
Somos crianças da história,
brincamos de seus enredos.
A história, corda esticada,
faz arte de nossos medos.


Insólito
Sou um ramo insólito
da árvore pousada
na franja do abismo:
há um ninho de serpentes,
um macaco e sua prole, a
ave do paraíso. A primeira
mulher se aproxima, com ela
o primeiro homem. Adivinho
suas razões. Sou um ramo
insólito da árvore pousada
na franja do abismo.


Sal e pimenta
Creio nas horas enfermas: quando nos
enroscamos num canto qualquer como
os gatos costumam fazer, e nem choramos.
Nas horas enfermas não choramos: curtimos
a dor em sal e pimenta para conservá-la
melhor. E penduramos a dor como no
açougue: sangrando, sangrando, até ficar
exangue e pronta para ser levada por aí,
alimento nas intempéries. Creio nesse poder
que temos , um poder intransitivo, uma
espécie de pulsar.


Aleivosia
Cuidado com tudo isso
que não te espera,
que tudo isso que não
te espera nada mais é
que teu fado: e eis que
vem vindo algo mais
que à noite não se vê, não se
distingue na floresta
das viagens, das insônias,
dos meandros deste ser
que se desvela.
Cuidado sobretudo com
as palavras que deixaram
de existir.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Feliz natal, tio

hoje no almoço
uma criança quase esquálida
burlou as câmeras de vigilância
e os seguranças do restaurante
e aproximou-se da minha mesa
furtivamente:
- um x-salada, tio
  dez centavos, tio, pra completar
  um babalú radical

nem tive tempo
de negar a esmola de fim de ano
levada pelo braço
ela já era retirada do recinto
por um funcionário da casa
vestido com um gorro
de papai noel na cabeça
visivelmente constrangido
ele pedia desculpas a todos
pela ocorrencia

por mais que eu faça
não consigo esquecer
a voz resignada da menina
antes de ser colocada na rua:
- deus te abençoe, tio
  feliz natal, tio.

akira – 22/12/2010.