quinta-feira, 19 de maio de 2016

28 mil índios


poema e voz: akira yamasaki
vídeo: milton luna


baita blablablá


o blablablá da casa amarela de sábado passado - 26/03, que discutiu o tema arte e educação nos dias de hoje e teve como debatedores os brilhantes e inquietantes valter de almeida costa, educador e professor de história, e érico alves de almeida, artista plástico, devidamente mediados com a competência de sempre por escobar franelas, produziu na minha cabeça mais de cem dúvidas para cada certeza alcançada.

da riquíssima discussão, que durou cerca de quatro horas, proporcionada por todos os presentes ao evento - cerca de quarenta pessoas, uma grata surpresa considerando o feriado prolongado, sobre o papel da educação e da arte quando estamos às vésperas do impeachment da dilma e o país parece caminhar em direção à escuridão e divisão movido pelo ódio político, restou para mim uma impressão que me deixou meio assustado quando a conversa descambou para a questão da luta de classes.

falando da arte que é feita aqui nas quebradas de são miguel paulista conheço vários grupos/coletivos de arte e cultura que atuam na região, cada um com seus focos e interesses claramente definidos que compõem um amplo painel de diversidades que passa por questões como as artísticas e culturais, raciais, religiosas, de gênero e outros, onde todos eles tem em comum a reflexão, o inconformismo e a contestação às situações e poderes estabelecidos.

alguma coisa não colou direito aqui à luz das discussões permeadas pelos conceitos e chavões da luta de classes porque talvez todos estes coletivos tenham em comum um mesmo inimigo mas não tem como identificá-lo, talvez porque o que esteja em jogo no brasil de hoje não seja os ideários da esquerda e da direita e tudo não passe de simples luta pelo poder já que não enxergo diferenças entre os partidos e a questão da luta de classes seja uma falsa questão neste momento histórico.

mais de cem dúvidas para cada certeza alcançada. haverá uma nova esquerda a ser inventada que consiga harmonizar as diferenças e diversidades sob um mesmo guarda-chuva?

akira - 30/03/2016.











amendoim


planta, akira
esse amendoim
cantando alto

não sei cantar, pai

então planta
assobiando alto

porque assobiando, pai?

quem assobia, akira
não come a semente
somente suficiente
para essa roça

akira - 04/04/2016.

42º sarau da casa amarela


43º sarau da casa amarela


beó


tá tendo um beó no brasil
tipo uma briga de foice
pelo poder, uma briga
onde ninguém quer
um país melhor a não ser
para manter seus privilégios
e suas mamatas nossas de cada dia
(esse papo de democracia
é só pra inglês ver e para constar
na ata do ato infame)


meu, tá tendo um beó
para resolver não resolver
porque todos os atores fazem parte
(eles eram aliados até ontem
eram inimigos até hoje de manhã)
do mesmo jogo de cena
do mesmo teatro de fantoches
e da mesma democracia, meu deus
da democracia

cara, tá tendo um beó aqui
o medo devora meu coração
porque a história ensina
que aqui embaixo
o buraco é mais embaixo
e quando rebenta a barragem
do ódio cego ficamos à mercê
da cólera insana
e do nojo implacável

ganhe quem ganhar
aconteça o que acontecer
na manhã indigna da segunda-feira
nada terá mudado
e só haverá um derrotado:
nós

akira - 14/04/2016.

miyuki 23


às vezes estou
em algum lugar dentro de mim
que não sei onde é
nem se sou eu que está ali


nestas horas peço
que tenha paciência comigo
e espere pelo amanhecer
prometo que volto junto
com os pássaros do crepúsculo
para ficar com você

prometo, ainda
que trarei sempre deste lugar
poemas e canções de amor e paz
e o vento mais doce de todos
para murmurar águas correntes
e potáveis em seus cabelos

akira - 16/04/2016.

melancia


em mil novecentos e sessenta eu tinha oito anos de idade,
os dias áridos e longos nunca chegavam ao fim e eu trazia
aqui dentro mil revoltas sem razões aparentes, motivos de
surras corretivas e constantes do meu pai, devido pirraças
e malcriações, maldades com plantas e bichos e por bater
nos meus irmãos menores, tipos de coisas das quais não
tenho nenhum orgulho;

então quando aprendi a xingar meu pai de corno, viado e
filho da puta, as surras viraram espancamentos medonhos,
de criar bichos e de se ficar mijado no chão;

em mil novecentos e sessenta meu pai trabalhava noite e
dia de meieiro nas terras incertas de um espanhol chamado
périco garcia que tinha uma filha chamada dulcinéia, em
lucélia na alta paulista, onde eu maldizia o tempo por não
passar, quando ouviu falar que melancia tinha rendido
lucro seguro e fácil na safra passada, grana abundante que
muita gente que vivia atolada na penúria tinha lavado a
égua com essa espécie de lavoura e andava posando de
bacana, inclusive diziam, desfilando pra cima e pra baixo
de trator da massey & fergusson e caminhonete zero bala;

meio mordido pela mosca branca da possibilidade de um
ganho fácil mas com um pé na frente e outro atrás, como
qualquer bom japinha, meu pai reservou naquele ano ao
lado dos tradicionais cultivos de feijão, milho e algodão,
de quiabo, abóbora e amendoim, um áspero e inútil trecho
de terra, um oitavo de alqueire se tanto, para experimentar
uns pés de melancia coquinho, como se arriscasse uns
trocos na milhar e centena do primeiro ao quinto e ainda
cercasse com um duque de dezenas, por via das dúvidas,
e me fez encarregado de cuidar da plantação rastejante;

até hoje é um milagre misterioso para mim, os pés de
melancia terem vingado e se espalhado verdejantes no
meio daquelas pedras e tocos ressequidos mas a verdade
é que um dia elas surgiram e cresceram do mesmo jeito
e tamanho, dezenas delas, irmãs gêmeas de tão iguais,
com exceção de uma, a maior, mais exuberante e mais
cobiçada fruta que eu tinha visto na minha vida de dias
infelizes e demorados, onde eu ficava torcendo o tempo
todo para que ela madurasse urgentemente;

naqueles dias lentos e exasperantes, enquanto eu ajeitava
com carinho as melancias com os cabos para cima como
meu pai ensinara para que crescessem uniformes e eu o
observava com afeto e orgulho de filho, todos os dias eu
perguntava a ele se a minha melancia já estava no ponto
e todos os dias ele respondia que ainda não, que estava
verde ainda, que tenha paciência, akira, mas um dia não
aguentei mais a curiosidade e a gula e com um canivete
afiado talhei a bitela de cima a baixo e a coitada ainda
estava branca por dentro, as sementes nem tinham se
formado e eu levei a mais injusta das surras na hora da
janta daquele dia, por desobediência ou talvez porque
meu pai estava puto da vida devido o preço da melancia
que tinha caído no mercado;

então na noite de humilhação e revolta fugi correndo para
o meio das plantações e cego de dor e raiva, com minhas
mãos sedentas de vingança arranquei um monte de pés de
melancia que no dia seguinte estavam mortos e murchos e
quando ri do desespero do meu pai tentando replantar no
chão duro e seco, as raízes sem vida, não deu outra e aí
sim, levei a mais feroz e definitiva surra da minha vida, de
soco,de pau, de pontapé, de cinta e do que ele tivesse na
mão e mais ele me batia, mais eu o xingava de viado filho
da puta;

dois dias depois, como eu não falasse, não comesse, não
me mexesse, não bebesse e nem xingasse, não chorasse,
mijasse ou cagasse, meu pai me examinou, nem tive força
para fugir, e percebeu que meu braço estava quebrado e
com um tranco o colocou no lugar e improvisou uma tala
de madeira para colar a fratura e minha mãe passou iodo,
álcool e mercúrio nos meus hematomas e então eu virei
um menino calado que nunca mais sorriu e de repente os
dias começaram a passar tão rapidamente que eu não
conseguia mais acompanhar.

akira – 21/04/2016.

outro último domingo


hoje perdemos merecido
não poderia ser diferente
ninguém mandou ficar
de mimimí com a bola


akira - 24/04/2016.

casa amarela, a última trincheira


então está decidido:
hoje em dia sou apenas
um democratão e não prometo
nem tenho serventia para nada
nem como inocente útil
ou massa de manobra
nem como testa de ferro
ou delator premiado
e escolho não escolher


então está decidido:
hoje em dia não consigo
ter convicções definitivas
para portar bandeiras
e cartazes em passeatas
e sempre desconfio seriamente
dos propósitos que existem detrás
das palavras de ordem gritadas
em uníssono com punhos fechados
nas ruas e praças do país

está decidido mesmo:
hoje em dia não acredito
em nenhum destes partidos aí
eles mentem com obstinação
até que a mentira vire verdade
e ainda fazem da mentira
método feroz de luta pelo poder
para garantir regalias e mamatas
usando o povo e a democracia
como pretexto e escudo

então fica decidido assim:
de hoje em diante terei apenas
como minha última trincheira
o vento da poesia e da amizade
que moram na casa amarela
onde as palavras são ditas olho
no olho com a voz da emoção
e se assim eu puder proceder
já terei feito o melhor e o maior
para o meu país

akira - 25/04/2016.

marciano


morreu hoje um poeta
da estirpe dos baitas

marciano vasques está morto
estão mortas todas as palavras

vá em paz, compadre
dê um abraço por mim
em raberuan
e severino do ramo

diga a eles
que não demoro

akira -26/04/2016.

casa amarela e sarau da maria em santo andré


01/05/2016
sarau da maria
casa da palavra mário quintana
casa amarela

ontem em santo andré
foi assentado mais um tijolo
de amizade misturado com felicidade
mais um tijolo de poesia
na construção da casa amarela

agora que tudo já passou
- sabemos todos que nunca passará
só resta dizer muito obrigado
- sabemos que gratidão é moeda sem troco
a todos que bentivieram ontem
com suas alegrias e emoções
com suas poesias e canções
com seus beijos e abraços
para ensinar o significado das palavras
amor e amizade à casa amarela

muito obrigado, sarau da maria
muito obrigado, casa da palavra
pela parceria valiosa
nesta jornada de arte e cultura
muito obrigado, rosinha moraes, joel dias filho, warley noua, vitor cali, urbanista concreto germano, josé pessoa e claudinei vieira;

muito obrigado, rosana banharoli, sacha arcanjo, escobar franelas, arnaldo afonso, vladinky & cordeirovich, marici silva, selma sarraf bizon, adolar marin, thina curtis, beto ponciano e sidney kitagawa;

muito obrigado, enide santos, mário nevesa, daniel lopes, marcia barbieri, betinho rio, darc maia, vitor barros, raquel pereira, yago luna, lucimar borges, adão santos, marcos robson e sueli kimura;

muito obrigado, tião baia, altemira, tereza por tereza magalhães, inês santos, selma bento baia, celia maria ribeiro, andréa ferraz campos, kátia dias bassiano, jorge gregório, joão júnior, albino alves, ricardo escudero, marcilio godói e silvia maraia ribeiro;

muito obrigado mesmo
a todos que colaram ontem
para protagonizar mais uma emocionante
celebração da alegria e da amizade
que só a generosidade de quem produz arte
é capaz de promover.

akira - 02/05/2016.

















quiabo 1


meu pai me acordava
às três da madrugada
naquele tempo eu tinha
nove anos de idade
para a cata de quiabo
no quiabeiro de um alqueire
tristeza de um alqueire
desgosto de um alqueire
um alqueire de dor


meu pai me acordava
de segunda a segunda
e fizesse frio, calor ou chuva
fizesse sono brutal e cansaço
se não levantasse
do colchão de palha
de espiga de milho
às três da madrugada
a cinta cantava sem dó
o quê? não vai acordar?
no quiabeiro de um alqueire
tirania de um alqueire
um alqueire de furor

meu pai me acordava
com um balaio de taquara
pesando um alqueire
nos meus ombros feridos
nas alças de corda do picuá
meu pai me acordava
com a baba feroz do quiabo
que vazava luvas de amianto
e carcomia minhas mãos
feito cola corrosiva

faquinha de catar quiabo
tão afiada que até faiscava
a face branca quando a lua
varava as nuvens lá no céu

faquinha amolada
na pedra silenciosa
do medo e do rancor
um alqueire de faquinhas
para cortar as mãos odiadas
do meu pai odiado
às três da madrugada
quando eu tinha
nove anos de idade

akira - 04/04/2016.

merenda


um vento novo, renovador e benvindo na cena
da política no brasil são os meninos e meninas
secundaristas de são paulo.

desta vez eles ocupam a assembleia legislativa
de são paulo onde vão resistir desarmados e
pacificamente até que os deputados instalem a
cpi da merenda escolar.

com sua atitude de emocionante generosidade
eles sinalizam que nem tudo está perdido neste
país perdido na lama sórdida do fundo do poço.
cpi da merenda escolar, meu deus, da merenda
escolar.

akira - 04/05/2016.

coxinha x petroalha


não sou de esquerda
não sou de direita
muito menos de centro

às vezes sou coxinha
às vezes sou petroalha
às vezes bosta n'água


tenho boas intenções
mas sei que o inferno
está cheio delas

akira - 09/05/2016.