sábado, 27 de março de 2010

Osnofa, a bola da vez (2)




ÚLTIMO REDUTO

O jogo acidentado que essa vida corta
É fogo disputado na avenida morta
É mão que se embaraça e a notícia engole
No chão se desenlaça a fictícia prole

A fome então consome mais um lar impuro
Sem nome e sobrenome, sem lugar seguro
É sobra que atormenta mais um passo curvo
Manobra que arrebenta , é o fracasso turvo

É gente se espalhando numa dor pungente
É o pródito e o pródigo uma só mistura
É a gota dividida, é o sono ardente
É a rua da amargura, é a rua da amargura

É o tombo derradeiro na parede fria
Assombro no terreiro, a sede de orgia
O grito tão funesto que esta luz encerra
O atrito, o manifesto por um grão de terra

É o suspirar moroso de um peito aflito
É o murmurar choroso no leito maldito
É o trato e o distrato de quem come e nega
Retrato tão ingrato de uma fome cega

É o espelho e a silueta que oculta a gente
É a saliva seca, é a espuma ardente
É o cheiro das cinzas que o vento espalha
É o último reduto de quem só atrapalha

É gente se espalhando numa dor pungente
É o pródito e o pródigo uma só mistura
É a gota dividida, é o sono ardente
É a rua da amargura, é a rua da amargura.
OSNOFA / EDSON LOPES.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Meus poetas preferidos (10)

André Marques

Não bastasse a imensa e verdadeira poesia do compositor e cantador André Marques, ainda tenho a honra de privar da amizade desse poeta maior de Irecê - BA, região que já deu para o Brasil e para o mundo, artistas do quilate de Sacha Arcanjo e Tom Zé. Com certeza a continuidade dessa linhagem está em boas mãos com André Marques e seus companheiros de cantoria como Xicoleite do Tareco, Clendson Barreto e Welton Gabriel.

Akira Yamasaki.
VIDA DURA

Menino da rua da brita
Vive a quebrar pedra
Nunca joga giribita

Menino de cor preta
Em vez de lápis
Deram-lhe uma marreta

Menino força, lida, acocha
Fazendo seu viver
Duro feito a dura rocha

Menino fome não medra
Menino no fim do dia
Está quebrado feito a pedra.

NOVO POEMA DO VELHO ANDRAJO

O que aprendi na vida
Não foi brincadeira
De foice e facão amolados
Cortei cana a vida inteira

Cansado de tanta canseira
Sou um velho com lordose
De mãos calosas e tremulas
Mendigando a pequena dose


Menino de esquitossomose
Hoje velho barbudo e andrajo
Feito uma folha seca ao vento
Rumo ao esquecimento viajo


Na suja roupa que trajo
Sem bolso e sem documento
Perdi a verdadeira identidade
Na triste estrada do sofrimento


Não tiro do pensamento
A máquina, meu filho sem braço
Minha esposa que ficou cega
Vendo o fogo derretendo o aço


Sou a velhice do velho cansaço
Sou a própria cova da esperança
Vivo regendo o coral da tristeza
Nos meus ombros a morte descansa


O povo nunca se cansa
De olhar-me hipócrita compaixão
Alguns rezam por mim
Mas não pegam na minha mão


Eu tenho a fria solidão
Mergulhada em mim por inteiro
Derramo lágrimas por um sentido
Já derramei suor por dinheiro


O tempo é meu conselheiro
Tenho a morte e a vida na mão
No céu da minha desdentada boca
Tenho resto do vinho e do pão


Entre a cruz e o perdão
Morro embriagado no entardecer
Cachorros e gatos velam meu corpo
Que ressuscita quebrado ao amanhecer


Na verdade eu vou morrer
A vida sopra-me forte em açoite
Em gemidos perderei a respiração
Assim partirei feito o dia ou à noite.


André Marques.

domingo, 21 de março de 2010

O que falam os umbigos



A convite do Johnny John, do Buraco D'Oraculo, participei no último sábado - 20/03/2010, na Casa de Cultura do Itaim Paulista, onde eu não entrava há uns 15 anos, do Sarau "O que falam os Umbigos", que é realizado nos 3ºs sábados de cada mes, por jovens poetas, compositores, músicos, dançarinos, atores e ativistas culturais do bairro.
De cara fiquei impressionado e comovido com a quantidade de jovens artistas das mais diversas linguagens promovendo um espaço democrático de expressão, discussão e reflexão, por meio de suas intervenções artísticas e culturais.
Enquanto assistia às interferencias efetuadas no pequeno palco da casa, a minha imaginação voou para os anos de 1982 a 1985, quando uma intensa mobilização popular liderada por dois movimentos culturais que existiam no bairro, o EADEC - Espaço Aberto Para o Desenvolvimento Cultural, e o CAM - Cultura e Arte em Movimento, conquistou do governo municipal a implantação do Centro Cultural no Itaim Paulista.
Lembro que na noite de 21 de abril de 1985, quando Gianfrancesco Guranieri, que era o Secretário de Cultura do Município na ocasião, discursava inaugurando o Centro Cultural, no palco montado em frente à casa, eu estava chorando como uma criança ao seu lado, quase não acreditando que depois de tanta luta, manifestações, abaixo-assinados, idas e vindas aos gabinetes oficiais e distribuições de manifestos à população na saida do trem, nas escolas e de casa em casa, - que depois de tanta luta tínhamos conseguido.
No último sábado, no meio de um poema, essa lembrança me atingiu como um relâmpago. Tanta emoção, quase não termino o poema.

Akira Yamasaki.
22/03/2010.

sábado, 20 de março de 2010

Osnofa, a bola da vez

Pessoal

Em 2004/2005 gravamos de forma independente e a duras penas, com recursos angariados no velho, bom e infalível sistema do “ação entre amigos”, o CD “Tião”, do cantor e compositor Raberuan.
Lembro que na época incomodamos e até constrangemos os amigos utilizando todos os instrumentos que tínhamos na mão para levantar grana para o “Tião”, desde venda antecipada de CDs e promoção de pré-lançamentos, passando pelas fatídicas rifas de DVDs e máquinas fotográficas e, inclusive, promovendo na maior cara de pau a ressurreição do livro de ouro, onde tomamos o cuidado de colher primeiro as assinaturas e os valores dos mais endinheirados para intimidar os próximos da fila, tudo por uma boa causa – o registro do trabalho do Raberuan.
Lembro comovido, como se fosse hoje, um monte de amigos que compraram de prima a idéia e lançaram-se de olhos fechados na empreitada, não medindo tempo nem esforços, cada um dentro do tamanho da sua possibilidade. Amigos como Gerson Sadao Miyoshi, Edsinho Tomaz de Lima, Luis Casé, Wilson André Filho, Celso Frateschi, Mizão e Mizinho de Carvalho, Domenico Tinelli, Robson Martins, Walter Passarinho, Mario Landim, Ronaldo Ferro, Valdir Aguiar, Gilson Passos, Heron Alcantara, Cida Arizona e Sueli Kimura.
Em 2009 gravamos o CD “Sacha, 60”, também de forma independente, que teve por mote principal a comemoração dos 60 anos de idade do poeta de São Gabriel – BA, que chegou há 40 anos em São Miguel Paulista para ajudar a plantar aqui a semente de um dos mais importantes movimentos de arte e cultura popular do país. Já a produção do “Sacha, 60”, contou com a participação de outros amigos como Cleston Teixeira, Silvio Kono e André Marques que juntaram-se ao núcleo inicial que realizou o CD “Tião”, isso sem contar o apoio e a participação de toda a comunidade artística e cultural da região que cantou a obra do poeta no CD.
Lembro que foi no calor da gravação do CD “Tião” que formatamos, eu, Raberuan e Sueli Kimura, os conceitos básicos do Projeto Criação de Memória, para promover o resgate e o registro da riquíssima obra musical produzida desde os anos 1970 na região de São Miguel Paulista, que é um celeiro abençoado de poetas, compositores e músicos/grupos musicais de muito talento que, por força dos mais diferentes impedimentos, não conseguem registrar e veicular os seus trabalhos. De cabeça cito alguns dinossauros: Gildo Passos, Eliel Lima, Luis Casé, Grupo Ururaí, Tião Baia, Líder’s do Chorinho, Osnofa, Betinho Rios e Ronaldo Ferro. Da nova geração lembro dos talentosíssimos Rodrigo Marrom, Claudemir “Dark’ney” Santos, Vinícius Casé, Caio Vandré, Tarcisio Hayashi, Carlão + um Guerreiro da Leste, Nando Z, Ivan Néris e Tiago Araujo.
Alguns artistas como Edvaldo Santana, Zulú de Arrebatá, Jocélio Amaro, Sacha Arcanjo e Ceciro Cordeiro, uns menos e outros mais, ainda conseguem romper o muro de impossibilidades que separa o existente do registrado. No mais o que existe é uma grande obra musical e poética produzida há décadas na região, que está esquecida e condenada ao desaparecimento ou à espera de um projeto que estruture mecanismos que promovam o registro, disseminação e consumo dessa obra.
Durante a realização do “Sacha, 60” conseguimos costurar e resumir em alguns pontos os objetivos do Projeto Criação de Memória Artística e Cultural na Região de São Miguel Paulista:
ü Promover o resgate e o registro dos trabalhos poéticos e musicais existentes na região utilizando as formas convencionais no mercado, como CDs, DVDs, livros, clip’s, documentários e outros;
ü Promover a disseminação das obras registradas utilizando os instrumentos existentes no mercado, como shows, palestras, audições, saraus, internet e outros;
ü Promover na região, de forma organizada e sistemática, a criação de público consumidor para as obras registradas, por meio da realização de eventos específicos para esse fim (shows, palestras, audições, saraus e outros), em escolas, teatros, casas de cultura, bibliotecas, faculdades, entidades sociais e religiosas, associações de bairro, bares, logradouros públicos e outros.
Atualmente o Criação de Memória está sendo formatado por Cleston Teixeira, Raberuan, Sueli Kimura e Akira Yamasaki e um dos objetivos principais com o projeto é captar recursos para a gravação de uma dúzia de CDs que contemplem o registro da obra musical e poética existente na região de São Miguel Paulista, a sua disseminação e também, a criação de um mercado consumidor para essa obra registrada.
Mas não é porque o projeto ainda não existe e nem existem os recursos financeiros à disposição, que temos que ficar parados na praça dando milho aos pombos e esperando a banda passar. Conseguimos realizar com muitas dificuldades, o “Tião” e o “Sacha, 60”, e não podemos deixar a poeira baixar, o feijão esfriar.
Temos que continuar com o projeto. A bola da vez é o cantor e compositor Osnofa, um poeta popular que morou a sua vida inteira de mais de 60 anos na Vila Jacuí, na mesma batcasinha de sempre. Não menos genial que os já focados Raberuan e Sacha, Osnofa reproduz com uma sonoridade particular, ora popular ora erudita, ora alegre, debochada, irônica, ácida e amarga, e ora séria, sisuda e severa, em suas letras e músicas, um universo único e singular de referencias culturais.
Fundador e participante do Movimento Popular de Arte nos 1970 e 1980, Osnofa sintetiza em seu balaio de circunstâncias e influencias, que vão do rock ao chorinho, passando pelo samba, pop, maxixes, baião e outro, até sua experiencia como baixista e crooner de conjuntos de baile, a simplicidade do seu dia a dia nas Jacuís da vida, que é igual à Curuçá, ao Robrú, à Sinhá, Nitro-Operária, Romano, Helena e tantas outras.
A idéia dessa vez é efetuar o registro da obra única e incomparável do poeta, cantor e compositor Osnofa, e tirar do limbo canções extraordinárias como Último Reduto, Crepúsculo, Agamelanciou, Boleramba de Breque e Zé Neguinho, para ficar em alguns exemplos, que comovem apenas a um círculo restrito de ouvidos privilegiados.
A idéia é gravar o CD “Osnofa” e não temos recursos, continuamos duros. Portanto estamos realizando uma venda antecipada de CDs do Osnofa para levantar grana para a sua produção, que deverão ser entregues por volta de agosto de 2010, que é o prazo que fixamos para a sua confecção.
Peço, portanto, aos amigos que ajudem a financiar o CD do Osnofa comprando antecipadamente os discos. Quem puder comprar um compre um, quem puder dez, dez, quem puder cem, cem. O valor de cada CD é de R$15.00 (quinze reais) e as aquisições podem ser combinadas pelo email akira-yama@hotmail.com ou com o Akira nos telefones 2562 0392 e 9971 4559.

Um abraço do Akira.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Ainda sobre a dez

o dez deles
só tinha pose de dez
não passava de um engana-tiziu
pena que só descobrimos
quando o jogo já estava
tres a zero pra eles

o dez deles
na verdade era o sete
um sarará magrelo em cujo sorriso
faltam alguns dentes

com seus pés franzinos
ele desperta espantos e fantasias
dribles e destinos inesperados.

Akira.
18/03/2010.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Meus poetas preferidos (09)


Tiago Araujo

Tiago Araujo é muito jovem ainda. Baixista, contista, poeta e compositor, o que o diferencia de outros jovens é que ele foi abençoado com a sagrada centelha da poesia e a capacidade de inquietar com suas palavras, para dar prosseguimento a uma linhagem de poetas do quilate de Severino do Ramo, Cláudio Gomes, Sacha Arcanjo, Gilberto Braz e outros, que há mais de trinta anos constroem a história que conheço da poesia na região de São Miguel.
Grandiosa e transbordante como um rio amazônico, a poesia de Tiago Araujo é composta de domínios de técnicas essenciais para escrever e afluentes de esperanças, mágicos lirismos, ásperas ternuras e contínua fantasia. Mas são os afluentes de desencantos e desesperos, onde ironias amargas e deboches sarcásticos realizam vôos rasantes, que revelam a sua generosidade incondicional com os desprotegidos, velhos e crianças preferencialmente.
Acho que Tiago Araujo está pronto para ser o grande poeta que é.

Akira Yamasaki.



Edmundo

Com um amarelo sobre a pele que lhe dá ares de filme banda B, Edmundo é um velho não menos esquisito que todos os velhos esquisitos. Os olhos, abismos de lama, só são vistos por quem chega bem perto. Quem o vê de longe pensa se tratar de uma sombra desdobrada em curvas de papel. De perto, confirmam. É feito de papel. Não de qualquer tipo, papel de linho envelhecido e tratado com reagentes químicos que asseguraram a durabilidade até hoje.
Filho de estrangeiros, cresceu na região do Horto e foi só depois da morte dos pais que descobriu a natureza de sua fisiologia. Os pais o amavam. Amavam muito mesmo. Aliás, Edmundo não sabe se nasceu de papel ou se se transformou em papel depois da morte deles. Sabe apenas do que é efêmero. E das tardes que passa lendo obituários no único jornal que ainda os publica. Um velho como todos os outros. Só que feito de papel.
Todas as noites, passa na rua do velório e valendo-se de sua condição, esconde-se nas sombras. Invisível. Atento aos corpos que saem do velório para o crematório, Edmundo marca um xis em uma tabela desenhada nas costas da mão esquerda. E isso é o que mais gosta de fazer, já nem se lembra desde quando. (Será que sempre fez isso, ou foi só desde que virou papel?). Gosta da rua do velório. Odeia cadáveres.
Sente falta dos pais. Na verdade, desde a última colherada.
Edmundo não é canibal e orgulha-se de nunca ter fumado nada. Nem cigarro, nem charuto, nem cachimbo, nem mesmo um baseadinho na adolescência. Seria perigoso, afinal é feito de papel. Ainda assim, tem muitos cinzeiros. Recebe muitos amigos que fumam. E gosta disso.
Em casa, os cadernos da infância, tantos os seus como os dos filhos e netos, são queimados com vodka em panelas de inox.
Muitas vezes, alegando campanhas em prol do meio ambiente, pede aos vizinhos que lhe dêem livros antigos, diários, agendas, cadernetas, jornais velhos, para que os leve para a reciclagem. As pessoas nunca questionam ou negam o que ele pede, apenas respeitam-no.
Os amigos e a família não esperam nada dele, a não ser que morra logo. Não pela herança, não pela doença, não pelas histórias que conta, não pelo trabalho que dá, não por nada. Amam-no. Mas preferem vê-lo morto, pois sabem que ele é de papel e que isso não dura.
Uma vez por semana, visita o crematório do Horto e, graças à sua tabelinha e a um conhecido que troca às cinzas do defunto por cinzas de cachorro, não sai de lá sem pelos menos dois ou três quilos daquilo que, acredita, voltará a ser um dia. Não coleciona urnas mortuárias, não dá tempo. Além disso, odeia cadáveres, em qualquer estado.
Edmundo, um velho não tão esquisito como todos os velhos esquisitos, se alimenta de cinzas.

TIAGO ARAUJO


Deus protege

Morreu uma criança atropelada, não se salvaria mesmo que quisesse. Foi pra junto de Deus. Deus protege bêbados, mulheres e crianças. Animais também. Estatisticamente, atropelamentos são tão fatais quanto levar dez gols em uma partida de futebol. Disseram que na hora, dois coleguinhas estavam no ônibus. Pareciam bonecos de cera quando viram a bola banhada de carne e o creme que se grudou no asfalto.
Não era coitadinho, não. Roubava, pedia, cheirava, pedia, batia carteira, pedia, xingava a polícia e o cacete.
O pai lhe deu toda a liberdade que precisava, o pôs no mundo. A mãe só lhe pedia que fosse direito. Que nunca roubasse sem precisão, que nunca fumasse sem motivo, que nunca cheirasse sem fome, que nunca batesse carteira de pretos, que nunca xingasse a polícia de muito perto.  
Nasceu uma criança atropelada. Nasceria de qualquer jeito. Abençoado por Deus, bêbados e capivaras, era uma criança. Fato. Muito mais provável era ser macaco, aranha, boneco, qualquer outro bicho. Mas era criança. Jogador de rua, morador do futebol. Jogava pelado na rua, disseram, e marcaria dez gols na cara dos dois coleguinhas, não fosse o ônibus ficar fazendo cera no asfalto. Sonhava que a bola era um sonho, sem creme.
Pra escola nunca foi, nunca quis. Uma vez, espancou uma professora com mais dez coleguinhas. Onze. Saíram da escola e desceram com ela pra Baixada do Sapo, sob uma saraivada de socos na buceta e bicas na canela, era onde alcançavam. Deus nunca protegeu tanto uma mulher. No mesmo dia, dois coleguinhas foram atropelados. Puta treta. Ônibus é foda. Os moleques se misturaram igual creme de sonho no asfalto. Sonhando que escapou, ele nem viu que morreu.
            Foi um tempo para a igreja, viu o Senhor e os cambal. (E quem não vê?). Saiu logo em seguida, ficou cego de um olho numa lança, quando pulou o quintal da professora pra pegar a bola. Mandou tudo pra casa do caralho. No futebol, era juiz por imposição do olho que faltava e pela maldição dos que não vêem. (E também porquê ninguém queria um meio cego no time).
Não morreu uma criança atropelada. Não morreria nunca, ainda que quisesse. Deus protege bêbados, mulheres e crianças. Aliás, estatisticamente, um atropelamento fatal é menos provável que marcar dez gols em uma partida. (Coisa de animal). Jogava uma pelada na rua, quando o ônibus atropelou dois bonecos de cera que se misturaram feito creme de sonho no asfalto. Eram seus coleguinhas.

TIAGO ARAUJO            
 

sábado, 6 de março de 2010

Feliz aniversário, André

neste dia de hoje, andré
desejo coisas que temente
um pai deseja para o filho


para cada tipo de abismo
que interromper sua viagem
desejo uma forma de ponte


para cada medo repugnante
que grudar em seu coração
peço o antídoto da coragem


para cada sonho inatingível
em distância e altura perdido
peço escada e asa para voar


para cada prioridade urgente
que apressar os seus passos
haja um atalho conveniente


e um caminho para recomeçar
caso o destino te apresente
a impossibilidade de continuar.


akira
06/03/2010.

terça-feira, 2 de março de 2010

Que bom que você veio, Sacha.


Na madrugada incerta e nos arredores relativos do Bar do Wlad, no centro de Ermelino, vampiros sonolentos estreavam a primeira garoa paulistana de 2010, observando e medindo desinteressados, incautas jugulares que pulsavam suavemente etílicas. Que bom que você veio, Sacha, o chuvisco parecia sussurrar.
Já passava das quatro da manhã do sábado, 27/02, quando saí do bar, um pé depois do outro, os cabelos molhados pelo sereno e esgueirando-me por entre roqueiros e vampiros vestidos de preto, devidamente escoltado pelos anjos Sueli Kimura, Célia Cabelo e Sacha Arcanjo.
É verdade que eu estava melanciado ao extremo e esgotado pelo cansaço, mas de alma leve e lavada pela chuva do dever cumprido, voando na sensação de ter participado nos últimos quatro meses de um projeto essencial – o CD Sacha, 60.
Alguns gatos pingados renitentes ainda insistiam nas últimas saideiras, lembro vagamente de ter cumprimentado na saída o Jorge Gregório, o Raberuan e a Cláudia, o Edvaldo Santana, o Heron Alcântara e o Edsinho Tomaz enquanto procurava desesperado as chaves do carro. Lembro que haviam outros mas a minha memória não consegue fixar nome ou imagem de ninguém porque vai e vem como ondas do mar.
A ficha caiu no dia seguinte quando acordei e vi as fotos do evento salvas por Sueli Kimura. Elas revelaram que a Festa de Lançamento do CD Sacha, 60, foi um momento raro de integração que celebrou a amizade e a alegria por meio da história de um poeta genial que chegou em São Miguel Paulista há quarenta anos atrás, vindo da Bahia, para plantar aqui a semente de um dos mais importantes movimentos de arte e cultura popular desse país.
Que bom que você veio, Sacha, as fotos parecem gritar.

Akira Yamasaki.