sexta-feira, 9 de abril de 2010

Meus poetas preferidos (11)

Eliana Mara Chiossi

Posto a seguir, pequena amostra do trabalho de Eliana Mara Chiossi, poeta e escritora de talento raro e transbordante, e de comovente lirismo, de quem quase não ouso falar pois tudo que eu disser será muito pouco. Como se não bastasse, ainda é minha amiga de longa data.
Lembro que conheci a Li nos primórdios jurássicos do MPA – o Movimento Popular de Arte de São Miguel, quando ela fazia parte do TeRua, grupo de teatro de rua, juntamente com Severino do Ramo, Cláudio Gomes, Sueli Kimura e outros. Muito jovem ainda, devia ter uns 14 ou 15 anos, ela era doce, meiga e seu talento para a escrita era assustadoramente precoce.
Perdemos contato no final do anos 80 e as esparsas notícias que tinha da Li era através de Sueli Kimura. Em meados do ano passado ela fez o lançamento do seu livro Fábulas Delicadas na Livraria Martins Fontes e não pude comparecer ao evento porque estava trabalhando no dia, mas Sueli, Clarice e André representaram a família.
Só vim a ler o Fábulas no final do mês passado quando fui obrigado a ficar de molho em casa devido uma lesão muscular adquirida no futebol de fim de semana. Li de um fôlego só, fiquei comovido e apaixonado pelo livro e descobri uma escritora excepcional, dessas do tipo arrasa-quarteirão. Não contente devorei babando de ponta a ponta o seu Blog (http://inscriçõessempreabertas.blogspot.com/), que é um verdadeira aula de literatura e de como escrever bem.
A Eliana “fez parte do MPA, onde descobriu a paixão pela literatura e outras artes, e atualmente mora pertinho do mar, em Salvador – BA. Ela é professora doutora (UFBA/UEFS) na área de Estudos Literários.” Além disso ela é linda e é minha amiga, de dentro do seu abraço não quero nunca mais sair.

Akira Yamasaki.
09/04/2010.



MESA

Nenhuma flor é necessária agora. Quando chegar a manhã, bordada de acontecimentos, quero belezas novas. A estreia de flores recém-abertas no seu viço, flores que visitem a minha casa e abrandem a desilusão. Gosto da vida breve e altissonante das flores. Quero a vida de cada uma delas, em síntese e glória. Flor que exista sem excessos. Exuberância exata, inscrita no desenho justo do tempo. Gosto de ser flor, quando me vês assim, buquê de belezas. Quero a existência matemática da flor: pés descalços na história. Dispersão e lascívia em vários tons. Gritos delicados e todo o encantamento da pintura.

RÉGUA

Seria do tamanho de um soco no estômago. O tamanho de um soco, vindo de mão muito grande e bruta, no estômago de um bebê. Soco bruto e grande no estômago de um bebê prematuro. Seria do tamanho de uma agulha grossa furando um olho. O tamanho de uma agulha grossa e enferrujada furando o olho surpreso. Seria do tamanho de uma bala quente, estourando os miolos de uma mulher assustada. Seria do tamanho de um estupro de meninas vítimas de guerra. Uma menina apenas, estuprada por vários soldados quentes, munidos de socos, calor e balas. Seria uma calda quente despejada no ouvido. Uma calda quente, no ouvido, tortura para durar horas. Ouvido estourado, miolos quentes, tortura despejada, meninas, bebês, olho furado. Seria uma dor tão grande quanto um corpo vivo sendo esquartejado, enquanto vivo. Ou então, uma lista infinita de dores que cabem na imaginação e na realidade humanas. Nada poderá medir a dor que voce vai sentir quando seu filho for assassinado.

Meu tarot
Se o que em mim é um cavalo,
soltasse as rédeas e se despisse,
talvez fosse mais fácil dormir.

O que é cavalo em meu corpo
se acovarda
e paga tributos aos coelhos
e aos pombos sem graça alguma.
O cavalo que sou se cala, grunhe,
rói as unhas, temeroso.

Sou um cavalo parado,
sobre quatro patas indecisas.
E o cavalo livre,
dorso brilhante e crina solta,
este,
planta em mim o seu leão.

Eliana Mara Chiossi.


Um comentário:

  1. Carlos Alberto, zelador do Brooklin20 de abril de 2010 às 07:04

    Akira
    Este poema "Régua", é impactante...parabens para a Eliana, e pela publicação no blog.

    ResponderExcluir