terça-feira, 17 de junho de 2014
dedo mole 17
só soube no velório na segunda–feira à noite, dito à boca pequena
por amigos e parentes que caixa d’água morreu em circunstâncias
obscuras, tipo acidente de percurso numa treta mal explicada com
zoinho e queima rosca, que se entendi direito tem algo a ver com
os juros de um empréstimo para saldar dívida de jogo;
atravessei a noite inteira velando e bebendo o caixa em companhia
de osvaldinho, prezado, claudionor e advogado, de amaral, nininha,
bola sete e beto mensageiro, além de china e sonia quarenta e dois,
antigos e constantes parceiros de sete e meio, caxeta e mata-mata,
de vida, vinte e um e sinuca, de tranca e porrinha;
então lá pelas tantas quando as conversas tinham cessado e o povo
cochilava pelos cantos, encostou uma kombi com duas coroas de
flores, uma em nome do lava rápido lava a jato e outra assinada
assim: último adeus ao caixa d’água dos amigos da martelinho de
ouro – oficina de funilaria, pintura e polimento;
então quando o féretro saia no meio da manhã fria e cinzenta para
o cemitério da saudade, com três micro-ônibus da cooperativa dm
de transportes coletivos fechando o cortejo, eu soube pelo prezado
que também não quis assistir o enterro, que os bate-paus do dedo
mole já estavam com a faca nos dentes e sangue nos olhos na cola
de zoinho e queima-rosca, cujos dias estavam contados desde que
queimaram o seu filme, já que sua ordem tinha sido curta, clara e
grossa: somente dar um susto no caixa d’água.
akira – 29/05/2014.
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