domingo, 24 de janeiro de 2010

Gás da Nitro: Políticas e Pertencimentos




Gás da Nitro: Políticas e Pertencimentos
 Félix Santana era monossilábico. Sempre de pouca conversa comigo como se as palavras queimassem a boca ao sair, ou porque em boca fechada não entra mosquito, ou porque não confiasse em mim, os assuntos com Félix se arrastavam como lesmas num exercício de silencio e paciencia elevado à última potencia e entendimentos advinhados nas entrelinhas das raras palavras trocadas no limite da educação e cortesia. No início então, quando conheci o Félix em 1978, na velha casa na Vila Sinhá, através do seu filho Edvaldo Santana, lembro que ele falou comigo só depois da terceira ou quarta vez que apareci por lá, desconfiado do japonez esquisito, cabelos abaixo dos ombros e barba maior que a de Jesus Cristo, mais um hippie xarope que anda por aí com Edvaldo, escrevendo poesia e falando de revolução.
Diferente de Félix era Dona Judite, que me recebeu de braços abertos e risadas sinceras - os ratos vão fazer ninho na sua barba, Akira, a sua mãe não reclama desse cabelo, não? Judite Santana que sonhou e só sonhou com o coração apertado pelos filhos, e depois, quando virou minha madrinha de casamento incluiu-me em suas preces protetoras.
Félix Santana tinha o passo acelerado quando andava, hábito adquirido desde criança, ao percorrer diariamente, longas distâncias no nordeste, e talvez tenha desenvolvido aí, a capacidade de falações mais fluentes  enquanto caminhava no rítmo correto da necessidade. Foi durante um estirão pela Nordestina, Félix andando e eu tentando acompanhá-lo sob um sol insano de fevereiro, indo do cemitério velho até a Vila Sinhá, que Felix puxou as minhas orelhas e falou da Nitro-Química para mim, - a Nitra -, como ele a chamava. Defendeu  a posição de relevancia da Nitro-Química no contexto da paisagem física e geográfica de São Miguel Paulista e ensinou-me que os rolos de fumaça de tantas cores diferentes expelidos pelas chaminés da fábrica eram a principal referencia histórica, econômica, esportiva, social, recreativa e cultural do bairro. Félix pertencia à Nitra e a Nitra à Felix, nunca mais esqueci. 



gás da nitro (1)

quem vê de longe
logo reconhece
gás da nitro
dançando no céu
gás da nitro
meu amor
cartão postal
de são miguel.

gás da nitro (2)

madrugada de chumbo
pipocam metralhas no silêncio

do alto da pedroso
edson gordo, o cara
mais importante do bairro
observa as luzes
nas vilas lá embaixo
imagina cada trabalhador
que dorme na curuçá e no robrú
na nitro-operária
no primeiro de outubro
jardim helena é só uma mancha

vagam lumes na escuridão
gás da nitro peidando firme
abocanhando casas e estrelas
miséria, pôrra
a classe operária, pôrra
no alto da pedroso
edsinho, o gordo
duas lágrimas furtivas
inundam são miguel.

Um comentário:

  1. Bacana mesmo, sinto a minha melhor lembrança era do clube da nitro, é um espaço massa que merecia ser resgatado

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