terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Meus poetas preferidos (02)

 


Gilberto Braz

Conheci Gilberto Braz numa noite gelada de julho de 2004, no Jardim São Vicente, na casa de Zulu de Arrebatá e Sonia Santana, num evento cultural com tudo de direito, exposição de pintura e escultura, violão, falação de poemas, bebidinhas, salgadinhos, conversa inteligente, dezenas de artistas presentes e Zulú tentando fazer o som funcionar. O velho Zulú de sempre. Por ter ficado afastado das indagas na região e exilado dentro de mim desde 1988 mais ou menos eu vinha tateando meu retorno ao circuito junto com outro exilado, o Raberuan, e na época tentávamos restaurar antigos laços de amizade e construir outros enquanto procurávamos juntos um conceito para um trabalho com suas músicas  que resultou depois no CD “Tião”. Nessa noite constatei na casa de Sonia e Zulú a dimensão dos estragos causados pelo meu exílio quando me senti um peixe fora d’água por não conhecer ninguém no evento, exceção feita a alguns dinossauros dos tempos heróicos como Zé Paes, Rose Beltrão, Sacha, Célia Cabelo, Sueli Kimura e Raberuan. Lá pelas tantas subiu ao palco um poeta da nova geração, de nome Gilberto Braz,  que chamou a minha atenção pela força, qualidade e teatralização dos seus versos, e em meio a sua performance, surpreendeu a todos ao declarar a sua emoção por ter conhecido nessa noite, o lendário Raberuan em pessoa. Raberuan virou lenda, pensei inquieto. Em 2005 realizamos vários shows de lançamento do CD “Tião” e Gilberto Braz foi convidado para participar realizando interferências no espetáculo com poemas de sua autoria e em 2007 conheci melhor a sua obra poética quando montamos juntos o “Akira e Gilberto Braz”, um espetáculo que misturava poesia, teatro, música e imagens, para o Quintas Culturais, projeto que Sachinha, Sheila Rios e Raberuan levavam no Bar do Wlad em Ermelino. Esse espetáculo foi o embrião do “Um pé no cotidiano” que engrossado pelos chapas Cleston Teixeira e Raberuan, desde 2007 vem correndo trecho e cumprindo seu destino de libertar a poesia da sua prisão de papel.
Sobre a grande poesia de Gilberto Braz não preciso encher linguiça por que ela fala por si. 
Akira – 11/10/2009. 





"1974

O seo idiel é o inspetor de alunos da nossa escola
- Ô, moça, num quero um pio!
- Ô,  moço, num quero prosa!

O seu apito é um sinal e curto é o seu pavio
- Ô, moça, num quero prosa!
- Ô, moço, num quero um pio!

Sempre de cara brava, sempre com olhar sisudo
- Ô, moça, guarde esta bola!
- Ô, moço, pare de correr!

Mas um  sorriso furtivo,
tão raro em seo idiel
revela que apesar de tudo
ele não é tão cruel

é que naquela ditadura
mesmo sem o saber
cada um tinha lá o seu papel

- Ô, moço, num quero um pio!
- Ô, moça, nem quero o céu!"


"1975

O seo idiel subiu no palco.
Ele está lá no alto
da sua posição privilegiada

Sentinela,
vigia para que nenhum pintinho voe.

O seu olhar é de águia:
ele tudo vê, tudo oive
aponta para qualquer um e grita:

- Ô, MOÇO, EU NUM QUERO PROSA

é o que basta, o bastante, é instantâneo
500 crianças se arrumam, perfilam-se
e calam suas curiosidades

20 anos depois, uma delas
descobre porque preferiu a poesia."


"Olhar

Tua voz de seda vale um flerte.
Teu flerte vale o meu flerte.

Teu silencio
pontuado de palavras vale um flerte.
O compasso dele vai dizendo
os teus olhos vão dizendo
que tudo em voce vale o flerte.

Se te pego flertando com outro, me mato
te mando algumas flores depois."


"Abril
                 
Se davam como bons amigos
sem jamais perceber
o mar de amor que havia de ser

Flertavam como adolescentes
na urgência de um olhar
que não diz, mas que diz
sem dizer que dirá

Se amavam como dois amantes
platônicos
mas numa tarde de abril
o amor não resistiu"


"Estética            

A miséria é um prato cheio
para o fotógrafo de arte
Sua obra denuncia que apesar de tanta fome
Há o belo em toda parte

A miséria é um bom prato
para as gentes das galerias
ela prova o acerto de certas linhas estéticas
e é crível que o bom gosto por um olhar miserável
há de ser conservado, para o bem de sucessivas gerações
e da verossimilhança
Não se culpe o fotógrafo pela oportunidade da imagem
Ela é triste e bela, e só revela  o sintoma e  a  sintonia
entre a triste beleza dela e das gentes das galerias."


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Meus poetas preferidos (01)




Cláudio Gomes
Conheci Cláudio Gomes em 1978 na efervescencia do MPA embrionário. Ele era muito menino naquele tempo, devia ter uns 18 anos de idade, mas tenho a impressão que hoje ele é mais menino ainda, o tempo preservou e acentuou o seu sorriso maroto de moleque levado, sua marca registrada. Ele veio no pacote do TeRua – o Teatro de Rua -, e trouxe a tiracolo pessoas e artistas do naipe de Severino do Ramo, Eliana Mara, Reinaldo Rodrigues, Sueli Kimura e outros, todos quase crianças ainda, mas esclarecidos e maduros demais para a idade, e em seus olhos brilhava a sede desesperada por mudanças.
O Cláudio Gomes menino mudou o meu coração. Fiquei encantado com a sua poesia que dava vida a  pessoas anônimas e invisíveis na grande cidade, com versos velozes e econômicos de sínteses desconcertantes, cortes abruptos e cirúrgicos, rupturas, aproximações, arremates na medida exata. Tenho certeza que se eu ler o que o Cláudio anda escrevendo hoje em dia, o meu coração mudará novamente, mas por enquanto eu me contento com alguns poemas daquele menino genial.
Akira – 08/01/2010.




“DO LADO
DE QUEM ENTRA
NO TREM PRO BRÁS
ENTEGENTES VI
AQUELE VELHO MORENO.
ERA O BOI
QUE FESTAVA TANTO
DO BUMBÁ DE ARAPIRACA”



“na minha lembrança
ela era ainda a Bela
jovem pastora do cordão encarnado
que dançava tão bonito
na minha infância arapiracana.
hoje encontrei-a na feira do Itaim
carregando sacola, filho chorando
atrás dela
... acabada, com rugas!

já não dançava
se arrastava
no meio dos apertos da feira
não assobiei Fiu Fiu como outrora
disse bom dia, como vai a família,
lembranças a Isidoro seu marido,
apressadamente...”


“tupy nicidade

mais um índio
levou um pé na bunda e desceu
numa velozcidade estonteante
como não disse caetano
...e arrastou a mulher e os filhos

no meio do lugar chegado
estendeu o resto pro povo ver,
e o povo do lugar viu,
viu e nada comprou.

antes da mãe-lua chegar
pediu uma esmola
pelo amor de deus”




quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Estreando 2010




Akira Sam!

Estou de volta em Sampa
São e salvo das manguaças
Cajubrinas desesperadas com a turma
Misturas de cerva, limão e graça
Sávio, Sachinha, Soraia e Edison
Benício, Heby, e O grave
As menonas:Raquel, Cely e Silvana
Não tinha nenhum entrave
A Célia preparando o rango
As crianças por ali brincando
Savinho, Isabela, Gabi, Laís e Bianca
E a alegria se somando
Claudemir e a namorada Anita
O Vitor meu afilhado
Tarcísio, Bárbara, Nando e Marrom
Todo mundo já molhado
No dia primeiro do ano
Teve também o GagoGrego
Com namorada, o cunhado e a irmã
Nessa hora quase que me entrego
Mas estou salvo e são
No mesmo pique já no trampo
Pronto para o novo ano
Me posicionando no campo
E como diz Raberuan:
"Caminho ensinado não é caminho, é atalho"
Conto contigo, meu rei
Na copa da carta do baralho.

Um abraço!
Sacha Arcanjo.

TRISTEZA: São Luiz do Paraitinga está inundada 2

Depoimento de Tarcisio Hayashi


Sou um visitante regular de São Luis do Paraitinga, tendo inclusive amigos na cidade. Sylvio Oryn e sua esposa Adriana. Sylvio foi integrante do Terra América e tocou com Beto Santos e Amaury Falabela, e atualmente se radicou em São Luis do Paraitinga e trabalha como luthier ao lado de Adriana, artesã. Ambos têm uma loja de artesanato no mercado da cidade. Me apresentaram a outras pessoas da cidade. Todos provavelmente perderam tudo. Não tive coragem de ligar para saber o pior. É triste ver esta cidade assim, de cabeça para baixo, pois onde havia alegria há desolação, onde havia monumentos há escombros. Ainda mais numa cidade que preserva sua cultura popular com muito ardor, como um bem importante, ao contrário da maioria das outras cidades do país. São Luis, além do patrimônio arquitetônico é patrimônio cultural com seus músicos compositores, suas marchinhas de carnval, seu grupo Paranga, seus blocos e festas populares como a festa do Saci que preserva o nosso folclore ao invés do folclore gringo. O Festival de canções que coloca no coreto da cidade Lenine, Geraldo Azevedo, Chico César além de artitas participantes do festival. Sua lei contra a música barulhenta escrota que poderia impedir as marchinhas de carnaval. Triste. Tomara que volte!


Ai, meu paraitinga


Fui feliz uma ocasião 
Em São Luiz do Paraitinga
Com Sueli Kimura que estava
Iluminadamente bela


Foi São Luiz então
À luz das igrejas centenárias
E à sombra barrenta e vermelha
Das margens dóceis do Paraitinga
O idílico e perfeito cenário
Para dizer eu te amo


Os sobrados agora
E as igrejas da cidade histórica
Estão submersos com sua cultura
Na dor do barro trazido pelo rio
E pela chuva torrencial e bíblica
Dos festejos de fim de ano


Os sonhos viraram escombros
E foram embora com as águas
Ai, do meu Paraitinga
Mas com as águas voltarão um dia
Serão restaurados.


Akira.
04/01/2010.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

TRISTEZA: São Luiz do Paraitinga está inundada


"São Luiz do Paraitinga, localizado no Vale do Paraiba, é um dos 29 municipios paulistas considerados estâncias turísticas pelo Estado de São Paulo. Dentre seus atrativos destacam-se, na área urbana, seu conjunto arquitetônico, visto que tem o maior numero de casas térreas e sobrados tombados pelo CONDEPHAAT no Estado de São Paulo (são quase 90 predios declarados de interesse paisagístico e histórico) e a casa de Oswaldo Cruz que hoje é um centro cultural. Sua população estimada é de 11.000 habitantes."   fonte: Google



As chuvas de dezembro inundaram a cidade e metade da população encontra-se desabrigada. Restam as lembranças e fotos de uma viagem feita em março de 2009 que vinha sendo adiada por aproximadamente 25 anos. Premonição de Akira?

Irônicamente, o nome Paraitinga significa "aguas claras" em tupiguarani.
Sueli Kimura

domingo, 3 de janeiro de 2010

Último domingo (2)



depois do futebol

e depois do churrasco

no último domingo
o primeiro do ano
quando a carne miou
e miou o tinguá
não saciado ainda
o paulão jogou verde:
- a saidêra é no vavá, galera
          que é caminho pra todo mundo
ninguém mandou provocar
dei de bico mesmo, no ângulo:
        - o vavá não é caminho, véio
          é atalho.




akira
03/01/2010.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Feliz ano novo, Hideko


Feliz ano novo, Hideko
Feliz ano novo, Fusako
Que dois mil e dez despeje
De lá do fundo do seu saco
Nas mesas dos filhos e netos
Trabalho dígno e estabilidade
Comida honrada e suficiente
Paz e saúde de boa qualidade

Feliz ano novo, Toshiaki
Feliz ano novo, Yoshio
Stella, Alaíde, as duas Frans
E o exilado e distante Yukio
Kodi, Milton, Scalla, Kioshi
Célia e Nair, amadas irmãs
Que dois mil e dez, Miyuki
Escreva roteiros e confirme
Certeza de plenos amanhãs
Noites de descanso completo
Claras e seguras manhãs

Feliz ano novo, Alice
Feliz ano novo, Renato
Mônica, Kendy, Akemi, Clarice
O André e também o Alberto
Marcelo, Juliana e Marcel
Que em dois mil e dez o mal
Nem ouse passar por perto
De Laura, Jean e Raquel
É o desejo do Adalberto.

Akira.
01/01/2010.