sábado, 10 de julho de 2010

Um poema de Carlos Alberto Rodrigues

"O finado" é uma dessas deliciosas descrições que só o Carlos Alberto consegue fazer de fatos e situações tragicômicas. Só faltou o café frio, o pão com mortadela e a "marvada" para beber o morto, nessa fotografia da situação inusitada e do ridículo da situação. Divirtam-se. Akira.

O finado

E o sogro morreu!
O sangue vomitado freneticamente,
enegrecido por sobre a cama
Emaranhado em lençol fétido e fronha retorcida
Anunciava a dor e o medo da hora.
A baba espumosa nos cantos da boca
Como brancas nuvens de bons dias.
A velha esposa viu – espantou-se
As vizinhas acudiram, repugnaram-se
A filha chorou, de longe sem ver
O genro voltou a dirigir, suado, dolorido
O filho não sentiu.
Chamado o preparador de defuntos
Deixou-o bonito, tão sereno
De terno azul marinho – o único para ocasiões especiais-
Pronto para o baile eterno
A roda de vizinhos na janela
Via o morto quase dormindo
Mas a mão crispada e rija
          Era a presença da morte demonstrada no corpo
Todo homem deveria morrer em lugar amplo
Arejado digno
Mas pobre que morre em casa não tem direito a ir do colchão
Direto ao caixão.
Não passa na janela (pode quebrar),
não dobra no corredor estreito
A nova longa caixa., - A primeira não era a comprada-
Fica na entrada do corredor esperando seu recheio
E o morto envolto no melhor lençol
Vem chacoalhando pesadamente,
Carregado pelo filho, pelo neto, genro e pelo motorista do rabecão.
Por pouco dois não se embolam e vão fazer companhia
para o anfitrião no mesmo caixão.
Arrumam o minúsculo travesseiro,
Para sua cabeça agora oca.
Esta posto o morto
impávido dentro da apertada morada
Pobre ou rico
Burro ou intelectual
Bonito ou feio
Magro ou gordo
Humilde ou pedante
É aqui meu amigo, que todos nos igualamos
Ridiculamente iguais.
Levado pois o corpo ao campo santo já alta hora
Ficou sozinho numa sala fria, 
Para ter tempo de se adaptar á sua nova situação
Teve sua primeira noite de eterna solidão.
Alias como foi sua vida... sempre só.
Mas, para seu regojizo e abastança
Toda família chegou com o sol
Era uma festança de beijos e abraços
E piadas pelos cantos do cemitério.
Quase esqueceram-se do morto
Depois da pregação do pastor irmão.
Não sei se por obra de anjos ou demônios,
o sepultamento atrasou mais de três horas.
E que sol...que sede...que fome.

Carlos Alberto Rodrigues.
Itamanbuca - 2007.

Um comentário:

  1. Carlos Alberto zelador do Brooklin11 de julho de 2010 às 04:07

    Caro amigo, Akira

    Neste campo santo,onde meu sogro foi enterrado, tinha uma lanchonete que só tinha coxinha e agua mineral. Ao chegar em casa com alguns dos convidados, fui na padoca toma um senhor rabo de galo e voltei pra casa com pães e mortadela, para saciar a fome dos que ali estavam...

    Muito obrigado, mais uma vez, por me publicar neste seu espaço.

    abraços

    ResponderExcluir