segunda-feira, 5 de julho de 2010

Jipeiros (2)


O Sandoval trabalha comigo no Metrô. Com mais de 30 anos de casa, ele é um eficaz e eficiente Supervisor de Serviços Administrativos e de Manutenção da Gerencia de Infraestrutura, uma das funções mais estressantes na Companhia.
Vive apagando incendios, o Sandoval, dezenas por dia, para manter o padrão de excelencia dos serviços do Metrô em conformidade com os mandamentos dos sistemas ISO, OHSAS e Legislação Ambiental. Manutenção elétrica, predial e hidráulica; serviços de limpeza, copa, xerox, coleta de resíduos; logística para treinamentos em salas, auditórios e áreas de lazer; a cada minuto pipoca um incendio, que cai em seu colo para solução imediata.
Tenho mais hóras de reunião do que urubú de vôo, o Sandoval vive repetetindo. Reunião, reunião, treinamentos, fóruns, visitas técnicas, cursos que não acabam mais, já passei dos 50, porra, o Sandoval repete. Gestão de processos, serviços e pessoas, o que mais me mata mesmo é administrar picuinhas, o Sandoval repete referindo-se às suas dezenas de subordinados, o que reforça a minha convicção que estes supervisores de serviços são bombas-relógios ambulantes.
Afora os percalços do dia a dia no serviço que, aliás, ele tira de letra, é um amigo querido, o Sandoval. Pai de familia exemplar, marido devotado, filhos bonitos e saudáveis, boa praça, meio bonachão, conversa agradável e humor inteligente, um dedo de prosa com o Sandoval é garantia de boas risadas. Nas hóras vagas, ele pratica um lazer maluco para xaropes e matuscas: o jipe. Mal espera chegar o fim de semana para pegar uma trilha cheia de barrancos e lamaçais lá para os lados de Bonsucesso ou Igaratá, com seu invencível e possante AF 75, ou para se exibir no super-equipado Willis 75, em encontro de jipeiros, todos treze como ele.
Hobby viciante, o jipe. Tanto que já ando até temendo pela sanidade do meu amigo que de uns tempos para cá só fala em jipes, marcas, motores, trações, pneus, oficinas, 4x4, trilhas acidentadas, poeiras, morros íngremes, rios, buracos, crateras, subidas, descidas, lamaçais e adrenalinas no limite, acho que ele está mais para tatú e caranguejo do que para ser humano.
Às vezes ri sozinho mirando o nada, quando lembra de um detalhe do atoleiro ou do barranco em alguma trilha vencida, da roupa de Indiana Jones suja de barro quando voltou para casa.
- Tá rindo de quê, Sandoval?
- Rapaz, vou te contar. Eu que sou um jipeiro experiente, confesso que tive medo domingo passado, quando o meu AF 75 deu umas engasgadas, começou a patinar no meio de um barranco de uns 10 metros e ameaçou voltar de ré umas duas vezes. Ainda bem que eu sou de circo, virei a direção para os lados, acelerando com tudo para ganhar força e o amigão deu um salto para frente vencendo o morro por um triz. Já pensou a vergonha se caio de bunda no lamaçal?
E tome histórias de jipeiros.
No Metroclube, onde trabalho, sou um cliente do Sandaval e dependo dele para resolver qualquer falha de manutenção. Um domingo destes eu estava realizando um evento para umas 300 crianças na área e a água miou nas torneiras, descargas, chuveiros e bebedouros. Subi na caixa d’água e nenhuma gota dentro. Não tive dúvidas, liguei para o celular do Sandoval e expliquei o que estava acontecendo, 300 diabinhos sujos de suor e terra, correndo pra lá e pra cá debaixo de um sol furioso, no campo de futebol, nas quadras e playground, e advinhe o que aconteceu, a água secou na caixa, velho. - Pois aqui onde estou tem muita água, seu joãoponeis. Estou atolado até o pescoço com meu jipe dentro de um riozinho numa trilha em Santa Isabel, vem me socorrer, meu japa. – Não quero saber de atoleiro nem de jipe, Sandoval. Só quero água na caixa, velho.
De dentro do jipe atolado mesmo ele ligou para o serviço de caminhão pipa e em meia hóra as caixas d’água do Metroclube estavam vazando pelos ladrões.
A última do Sandoval me deixou mais espantado ainda, ele é maluco mesmo. Ele me contou com ar de expectativas que estava para sair de férias e dessa vez seu primeiro destino era  a Bahia. Parabenizei-o pela escolha e já estava indicando alguns amigos que moram em Salvador e Ilhéus quando ele me interrompeu dizendo que ia à Bahia por outros motivos que não o lazer e seu roteiro já estava traçado. Na verdade ele vai dar um pulo em Camacan, distante uns 500km de Salvador, para comprar um Willis 78 praticamente zerado que achou na Internet, o preço já está negociado.
- Comigo é assim. Sigo os instintos que ganhei nos milhares de quilômetros que trilhei de jipe. Um jipeiro de verdade  não mede dinheiro nem sacrifício por um amigo valente e leal que não vai te deixar na mão na hora agá. Vou, chego, vejo e se o bicho for tudo isso mesmo, compro na hóra.
Preciso dizer mais alguma coisa do Sandoval?

Akira Yamasaki.
05/06/2010.

3 comentários:

  1. Tô aqui com meu Uno Mille 98, valente que só ele, já o meti em cada enrascada, pense n'uma estrada de barro; "que teimam em me dizer que não é amarelo," num espaço que só cabe o uno,e em aclive. Ah sim não chovia! Também, seria querer demais, né! E o valente uno avançou teimosamente, mesmo que em primeira marcha, mas avançou, tanto que já tá querendo, ser promovido a Niva! Ah! Eu entendo o Sandoval...Se entendo!...

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  2. Taí uma paixão que eu não entendo. Só de pensar em atolar me dá nos nervos. E ainda tem os mosquitos!

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  3. Querido amigo Akira

    Saiba que sou seu fã e da forma como escreve!!!
    A descrição que fez do Sabdoval foi incrível, mesmo quem não o conheça passa a conhecê-lo, pois ele é exatamente assim como escreveu!
    Continue dando-nos notícias engraçadas como esta crônica, pois creio que até das dificuldades podemos rir e acreditar que só assim poderemos superar todo o estresse causado pelo dia-dia!
    Forte e fraterno abraço!

    Edson Guilherme.

    Poizé... uns poetas vivem às turras com as letras, as codificações da língua, as nomenclaturas, o "CORVO" de Poe, o Rosebud do Citizen Kane, o "tão ser" sertão do Rosa. Alguns poetas têm pedras no meio do caminho.

    Outros, o desafio do pôr-do-sol, as nuances dos diversos brancos, os cinzazuis, o ciano, a diferença entre o amarelo, o creme, o desbotado, o ouro, o sépia, o pêssego...

    Proutros, no entanto, há poeira, lama, sol inclemente, chuva, vento, rios, troncos, árvores, vãos, e pedras, muitas pedras no caminho.

    Um axé para todos os poetas, os de letras, os de pincéis, e os de graxa!

    Escobar Franelas.

    É MUITO MEL ENTRE ESSES DOIS. Ai tem coisa !!!!!!!!!!!!!!

    Na verdade esse é o espírito necessário para um bom entrosamento profissional.
    Deu para rir um bocado.

    Sidnei da Costa.

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