sábado, 25 de janeiro de 2014

Resenha de João Caetano do Nascimento para o meu livro/CD "Bentevi, Itaim".


O PÁSSARO SUBURBANO OU DE MINHA
LEITURA DO “BENTEVI, ITAIM”,
DE AKIRA YAMASAKI


Akira Yamasaki publicou em agosto de 2012 o livro de
poemas “bentevi, itaim”, próximo à data em que ele
completava 60 anos de idade. A edição foi resultado de
uma ação entre amigos, tendo como principal idealizador
Sílvio Kono. Além dos poemas, o livro traz ilustrações
feitas por Heron e Will Sideralman, este é também o
responsável pela bela capa e pelo projeto gráfico. Junto
ao livro, vem ainda um CD com poemas de Akira que
foram musicados por vários compositores, tendo Sílvio
Araújo como interprete das canções.
Tive o privilégio de ler os originais. Na ocasião, li e reli
cada poema, carregado de emoção e sequer consegui
expressar o que sentia. Essa emoção tinha razão de ser.
Alguns dos poemas mais antigos, eu quase vi nascer,
percebi o embrião deles a se agitar em nossas longas
conversas noites adentro, entre cerveja, conhaque,
cachaça e a insone esperança.
O “bentevi, itaim” reúne “estrelas da vida inteira”,
poemas feitos em cerca de quarenta anos dedicados à
poesia, à reflexão sobre a vida, o sentido de escrever e o
compromisso com o povo brasileiro, sobretudo, os mais
desamparados. Os poemas desfilam diante de nós numa
linguagem simples, direta, às vezes coloquial, como se
fossem crônicas do cotidiano. No entanto, uma leitura
mais atenta nos levará a partilhar de voos mais altos, à
altura da águia Akira que, humilde, se apresenta como um
terno bem-te-vi.

Doze capítulos

Os poemas foram divididos em doze capítulos que mapeiam
as preocupações e os rumos do poeta. Akira perpetra a
mistura improvável de certo fatalismo “então apenas sigo”,
com a rebeldia do “não sigo por sua senda”. E essa
contradição parece tencionar toda a sua produção poética.
Nessa trilha, o adulto revê as sombras das árvores
mesclarem-se ao bailar do avô bêbado diante do menino,
num retorno, após longa diáspora, através da memória. O velho
avô reflete-se no poeta, numa imagem distorcida de espelho
partido, na pequena obra prima que é “Menino Amarelo”.
No áspero caminho, o Akira também encontra um jardim,
espaço precário de remanso, embora “o motor da moto na rua”
mostre que a realidade não dá trégua, o que nos resta é o
combate contra o mundo, pois esse jardim, mundo de cores,
abrigo de pássaros suburbanos, será também invadido pela
morte.

Pele e alma

Akira nos expõe sua pele. Mais do que isso, as vísceras, o
fundo da alma, num rasgo profundo, talhado com precisão, à
navalha. Vemos então o pobre subúrbio a sangrar em festa,
numa mistura de dor e alegria, desespero e resistência. O
poeta enlameia-se nas águas em fúria que castigam os pobres
e emudecem o bem-te-vi. E aí, temos o pungente “Réquiem
para seis córregos”, explosão de revolta, dor, indignação e
amor de quem vê e convive com a noite sem fim da miséria.
Já o poeta pai tenta transmitir à pequena prole as lições dos
pássaros, dos ventos, das vazantes e dos mistérios da
existência. Por isso, ele canta, amoroso, a travessa fuga de
Clarice. Protetor, recomenda a André a arte ancestral da paciência
e diz onde pendurar o tigre gelado da solidão. Ele também volta o
olhar para as crianças esquecidas na “noite gelada” e questiona o
próprio sentido da poesia, enquanto a infância apodrece.
O amigo poeta vai além, arrisca-se a percorrer labirintos para
talvez esquecer a herança da dor “de bar em bar, de mesa em
mesa, medos, assombrações, incerteza”, sabendo que o tempo
cicatriza, mas jamais cura. Então, desfilam reminiscências de
familiares, de amigos, de gente que passa na rua. Nessa errância
vai então se desenhando a armadilha da existência e a
necessidade de resistir. Akira é, sobretudo, um poeta de
resistência. Resistência à injustiça, à dor e ao fatalismo que o
dilacera.
Há quase trinta e cinco anos, quando conheci o poeta, seus versos
tiveram sobre mim a força de um murro. Senti, desde o início,
uma súbita afinidade com o universo tempestuoso daquele japonês
sisudo. O tempo passou, o poeta tornou-se mais refinado,
profundo e, ao mesmo tempo, mais simples. Outra dessas
contradições que tornam os poemas de Akira tão encantadores e
inquietantes. Sob a cortina da simplicidade, está uma poesia
intensa, nascida da busca constante de uma concepção de mundo e
do sentido do fazer poético. Ao final da leitura do livro, fica o gosto
amargo da esperança, da coragem diante da dor inevitável que
devemos lutar para evitar. Desobediência e fatalismo. Esses são
ingredientes que fazem um grande poeta. Portanto, ouso dizer:
Akira Yamasaki é um grande poeta e “bentevi, Itaim” é um livro
estupendo.

Serviço
bentevi,iItaim
162 páginas
Formato 16 x 16,5 cm.
CD – 12 músicas
R$ 23,00
Pedidos e maiores detalhes no face do Akira Yamasaki.

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